Cultura S. Tomé e Príncipe

Ângelo Torres: “Ter feito Cabral, é que me faz de repente voltar a ter este compromisso com São Tomé. É algo que eu tinha perdido.”

Em conversa com o STP Digital, Ângelo Torres, relembra com muita emoção, o monólogo “Amílcar Geração” interpretado por si na CACAU no âmbito da IX Bienal de Artes e Cultura de São Tomé e Príncipe, e fala-nos um pouco sobre os projetos futuros.

Ângelo Torres, ator são-tomense residente em Portugal, está a passar uma temporada nas ilhas e afirma ter uma missão em São Tomé.

“Moralmente sinto uma dívida para comigo. Se calhar, porque quando mais novo, mandarem-nos para Cuba para educarmo-nos, crescermos e virmos para São Tomé trabalhar para a revolução.  Isso é que me faz moralmente não sentir cómodo na minha pele, e que eu sinta que é uma dívida que eu tenha para comigo há muito tempo. E estou a exigir-me a mim próprio saldar esta dívida para estar em paz comigo mesmo, com o Ângelo que eu acho que sou. Eu tenho essa dívida para comigo e que é com São Tomé.” – explica.

O ator que estará novamente em palco amanhã com o primeiro ato do monólogo “Amílcar Geração”, desta vez na Aliança Francesa, relembra como foi receber o convite para interpretar a peça.

“Fui apanhado de surpresa, numa conversa com o Ivanick, ele falou-me sobre a peça, muito por alto, e como já lhe tinha dito que queria ver a Ilha dos Poetas Vivos, eis que me apresenta o convite.”

Quando abordado sobre como tem sido interpretar Amílcar Cabral, Ângelo Torres afirma que tem sido um desafio “e mais ainda quando a estreia foi em Cabo Verde (na Praia) na presença da viúva do Amílcar Cabral – a única pessoa viva que esteve presente no dia do seu assassinato.”

Ao recordar-se do dia que foi abordado por Ana Maria Cabral, após interpretar a peça, com os olhos em lágrimas, o ator disse: “Ela tinha gostado, man.  Abraçou-me e disse que eu fiz-lhe lembrar de coisas que ela queria esquecer, e que se devia falar mais de Cabral, e oxalá que pudesse fazer muito esta peça para que os jovens conhecessem Cabral.”

Clique aqui para acompanhar um trecho da entrevista.

Ainda abalado pela emoção, o ator lamenta o fato de muitos são-tomenses não conhecerem a história de Amílcar, apesar do legado que nos deixou e do registo hoje notório pelos que passam da Avenida Amílcar Cabral.

“O Homem era maravilhoso! E, ainda assim, muitos estudantes do Liceu Nacional que passam pela Avenida Amílcar Cabral não sabem o que ele representa para nós africanos.”

bol.pt

O ator explica também, como interpretar Amílcar Cabral, toca nas feridas de memórias passadas: “Esta peça… este momento… este São Tomé… Eu agora vejo o sacrifício do meu pai, da minha mãe. Não se fala neles. E quando se fala da Independência de São Tomé fala-se de Pinto da Costa e Miguel Trovoada, são dos menos importantes desta luta. Muita gente deu o seu sangue, foi presa em Guiné. Guadalupe de Ceita… Não há uma rua com o seu nome, ele viveu para este país. Kweku… sofreu horrores por causa do sonho do pai dele. E há quem diga que a independência não valeu a pena. Eu sei o que isso custou!”

Enxugando as lágrimas, Ângelo continua: “Pessoas como o Cabral, uma vida inteira dedicada a isto, para ser morto pelos seus de uma forma inglória e indigna, por isso hoje a Guiné-Bissau está como está. Para dizer que isto não valeu a pena?  Portanto, na sexta-feira vou vos contar essas histórias na Aliança Francesa com o primeiro ato da peça “Amílcar Geração” junto a Ilha dos Poetas Vivos.

Sobre os projetos para o Futuro, Ângelo Torres conta-nos que em Novembro estará no Brasil para o Festival de Teatro com as peças “Cabral” e “Os Emigrantes” o qual também pretende trazer para São Tomé com o jovem ator, Juelce Beija Flor, com quem contracena em palco. E revela ainda que pretende trazer dois filmes para serem interpretados por atores santomenses.

 

Quem foi Amílcar Cabral?

Nascido em 1924 em Bafatá, na Guiné-Bissau, Filho de pai cabo-verdiano e de mãe guineense com origens cabo-verdianas, Amílcar Cabral cresceu em São Vicente, Cabo Verde. Estudou agronomia em Lisboa, tendo mais tarde regressado à Guiné-Bissau. Cabral era um pan-africano, agrónomo e poeta.

Envolvido na luta pan-africanista, Amílcar Cabral foi o “pai” da independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde do colonialismo português. Um dos co-fundadores do Partido Africano pela Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) em 1956  assumindo o cargo de seu secretário-geral. O PAIGC levou a Guiné-Bissau à sua independência em 1973.

Amílcar Cabral foi uma inspiração não só para outros movimentos de libertação nos países de língua portuguesa em África, mas também no mundo, Porém foi assassinado aos 48 anos, em Conacri por membros que se acredita ser do seu próprio partido sob ordens portuguesas.

 

Sobre o Autor

Akaisa Borges

Akaisa Borges, é uma jovem versátil de espirito aventureiro, licenciada em Gestão de Empresas pela University of International Business and Economics (UIBE), Beijing, China. Actualmente é assistente de comunicação de marketing na empresa Tela Digital Media Group, apaixonada por arte, cultura e marketing. Ela acredita na lei da atração e está em constante busca por novos desafios.

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