Cláudia,
Mais do que abraçar-te queria poder abraçar a tua filha. Queria desesperadamente dar-lhe colo.
Queria poder aconchegar a tua filha de apenas 8 anos a quem foi roubada parte da infância por ver a tua cara no estado em que ficou.
Ela viu como foste violentada e humilhada. Ela viu a tua cara desfigurada.
Queria consolar a tua pequenina e assegurá-la que todos os polícias não são maus.
E não são. Mas como saber quem é o bom?
Queria poder garantir-lhe que apesar do momento mais crispado, todos os portugueses não são assim. Os comentários que têm feito envergonham até as pedras da calçada.
Porque também sou mãe Cláudia. De um menino de 12 anos. E para ele sou a mãe dele independemente de tudo o que possam dizer ou escrever sobre mim.
Sou a mãe dele.
A tua filha é igual ao meu filho, é igual ao filho ou filha de cada uma de nós.
E temo pelo futuro deles.
Queria tanto dizer-lhe bem baixinho no seu ouvido que quem agiu mal foi o polícia.
Que ela deve continuar a confiar na policia de segurança publica. Mas será que pode?
Que entrar num transporte público sem passe não é um crime, mas que se deve evitar.
Que ninguém deve ser espancado por não ter passe ou bilhete.
Que um dia quando ela for mais velha e for ler os comentários que fizeram sobre ti, ela vai ficar chocada, envergonhada, triste e desolada. As pessoas foram cruéis, más, foram insensíveis e desumanas nos seus comentários.
Que a empatia não deve ser seletiva. Ninguém pensou na tua filha. Ninguém se questionou de como estaria a cabeça dela’
Como está a tua filha Cláudia?
Como está esse corpo negro, pequenino, frágil e indefeso?
Os jornais não te perdoaram Cláudia, arranjaram maneira de desacreditar e pôr em causa a tua versão da história.
Que as “pessoas” algumas não toleram os corpos negros, fingem conviver…
Foram esmiuçar a tua vida de fio a pavio para tentar justificar a agressão.
Mas existe alguma coisa para justificar?
E o pior Cláudia foi ouvir e ler comentários de mulheres que se dizem feministas a crucificarem-te, a maltratarem-te, a condenarem-te.
Não sei que “raio” que feminismo é esse que não defende um corpo negro como o teu.
Como explicar a tua filha que um dos sindicatos da polícia emitiu um comunicado a dizer que esperava que o policia mordido (sim, porque tu mordeste um policia quando te tentavas libertar), não tivesse apanhado nenhuma doença contagiosa, como se fosses um veículo de doenças.
Como se os corpos negros fossem todos doentes.
Queria abraçar a tua princesa e levá-la ao cinema ver o filme Frozen- A Rainha do Gelo”, para que ela acordasse desse pesadelo.
E no final refeitas, felizes cantaríamos assim:
Já passou, já passou
Cá dentro a tempestade que estou a sentir
Não a controlai, deixai-a sair
Não vão entrar, não podem ver!
Sê a menina que tu tens de ser!
Não vivo mais com temor
Já passou
Já passou!
Fecha a porta, por favor!
Tanto faz o que vão dizer
Venha a tempestade
O frio nunca me fará estremecer…
Nada fará estremecer a tua filha.
E no dia 1 de fevereiro de 2020 estarei na manifestação, por ti e por todos os que foram vítimas da violência policial.
Estarei a gritar por respeito, por solidariedade, por justiça e por empatia.
A tua filha pode ficar descansada.
Vamos lutar Cláudia.
Vamos Lutar.
Add Comentário