Após a independência Nacional em 1975, a presença das mulheres afirmou-se em várias esferas, nomeadamente a sociopolítica. Hoje, as mulheres estão a investir na sua formação e educação, procurando ser independentes.
O STP Digital esteve à conversa com uma dessas mulheres, a Professora Maria de Nazaré Ceita, que também é historiadora, investigadora e ex. Pró-Reitora para Área de Cooperação, Inovação e Empreendedorismo da Universidade de São Tomé e Príncipe. Nazaré Ceita contou-nos sobre o processo do empoderamento das mulheres são-tomenses e a sua resiliência nos dias de hoje.
Processo Histórico
Ao longo dos processos históricos, as mulheres tiveram um papel importante no desenvolvimento do país, isto é, sempre estiveram na vanguarda de tudo o que é história de São Tomé e Príncipe.
Segundo Nazaré Ceita, houve várias facetas da história, desde a altura em que a mulher era escravizada, considerada invisível, no século XVI até o século XIX, fato que começou a mudar no pós-independência.
“Então há uma invisibilidade até a Independência, uma invisibilidade deliberada…”, explica a historiadora.
Na sua segunda obra “Curadoria Geral de Serviçais e Colonos”, a Nazaré Ceita aborda sobretudo a questão das mulheres serviçais e funcionárias rurais nos anos 50.
“Elas estão presentes, elas lutam, elas sacrificam-se, elas dão à luz sem férias, elas têm abortos sem que se tenham em consideração que precisam de um sistema de saúde, elas morrem com problemas respiratórios, com gangrenas, um conjunto de problemas, mas elas são muito pouco faladas.”
A historiadora conta que esse fato muda depois da independência com a participação da mulher no desenvolvimento, onde “surgem programas de emancipação da mulher, que deve ser valorizada quanto o homem” e ela passa a ter acesso a diversos cargos, até mesmo políticos.
“Acredito que São Tomé e Príncipe tenha sido entre poucos países que tiveram mulheres como governadora do Banco Central, como Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, diretoras imensas e hoje temos uma Presidente de Assembleia”.
Dizer que São Tomé e Príncipe é um país discriminado e que a mulher sofre discriminação é algo com que a historiadora não concorda.
“Eu não corroboro desta afirmação, desde a forma como a mulher, a forma como ela tenta participar academicamente na sua evolução, não concordo sinceramente com o fato da mulher ser subalternizada. Há casos. A forma como a nossa educação foi feita. Em muitas casas, quem come o melhor prato é o homem, quem não lava prato é o homem. É verdade que nos partidos políticos, se sinta que de fato quando surgem as listas a mulher não se tem feito muito presente, mas eu não acredito que seja uma situação de subalternização, porque temos trabalhado para que essa situação se sane.”
As Oportunidades
A mulher são-tomense foi sempre resiliente e batalhadora na sua condição de mãe solteira para sustentar e educar os filhos, muitas vezes sozinhas sem ajuda do pai, mas também como dona de casa. Hoje essa resiliência é canalizada também para a busca de conhecimento académico e reconhecimento na sociedade.
“Eu, por aquilo que vejo nas salas de aulas e que vejo de um modo geral, creio que as pessoas que mais têm procurado pela universidade são as mulheres, sem dúvida. Mesmo grávidas, as vezes elas engravidam desde o primeiro ano, mas vão até o fim. … E eu acredito que há mais desistência por aquilo que vejo nas turmas, há mais desistências masculinas do que as femininas”.
Sempre se reconheceu a valiosa contribuição da mulher são-tomense no desenvolvimento de São Tomé e Príncipe, mas nem sempre se valorizou essa contribuição.
A investigadora acredita que uma das principais barreiras para a entrada das mulheres no mercado de trabalho é o fato de termos um mercado de trabalho exíguo, onde deveria se apostar mais no empreendedorismo, e não precisamente na troca dos quadros velhos pelos novos.
“Acho que devemos partir para o aspeto empreendedor. Mas esse aspeto empreendedor tem de ser feito não com concurso da pessoa própria…, mas que o estado crie condições para que de fato o empreendedorismo flua, que haja fluidez, que haja apoio para que se abram empresas. Apoio no sentido de a mulher poder desabrochar muito mais tudo aquilo que ela tem potencial para”.
Para a mudança na questão da desigualdade de oportunidades e salários que muito se sentiu por parte das mulheres no pós-independência, o empreendedorismo foi e tem contribuído para o empoderamento feminino ainda mais nos últimos anos. Foi por isso que se implementou no 10º e o 11º ano o empreendedorismo como uma disciplina escolar. E segundo a docente são as mulheres quem têm “os maiores êxitos na cadeira de empreendedorismo”.
“Elas têm sido, não consigo dizer com números, mas têm sido elas as primeiras a ter notas mais altas. O que é preciso fazer é a ligação com a universidade, isto é o que nós estamos a tentar fazer para que o empreendedorismo não morra no ensino secundário”
A investigadora acredita que um dia, apesar do machismo e patriarcado patentes na nossa sociedade, São Tomé e Príncipe poderá ter uma mulher no cargo de Presidente da República.
“Normalmente o tempo é a solução para muitas questões. Apesar do machismo, apesar da negação masculina, eu acredito na ação de várias mulheres. A mulher é paciente, a mulher é estratega, e eu acredito. Apesar da falta de solidariedade existente entre as próprias mulheres, quanto não, eu acho que teríamos uma mulher presidente. Eu acho que há uma falta terrível de solidariedade entre nós próprias. Mas eu acho que o tempo será a solução, para levarmos esse desafio a cabo”.
Nazaré Ceita sonha com a formação da própria universidade, com a formação das mulheres, a necessidade de haver mais mulheres doutoras, para a formação de mais novos quadros, “para que muito proximamente haja umas trintenas delas [mulheres doutoradas] e eu acho que quando chegarmos a esse nível o país será outro”.
“Eu deixo para todos uma mensagem de esperança, no sentido de que tratemos o nosso país com maior seriedade, despojarmo-nos dos nossos valores pessoais e vistamos a camisola do país, no sentido de resolver os principais problemas nacionais e que deixemos de nos hostilizarmos e que todos somos poucos para resolver os problemas do país. E, portanto, a partir do momento em que nos despojarmos das camisolas que possuímos eu acredito que o país ganhará outra dimensão”.
A Professora reforça a sua mensagem frisando a necessidade das mulheres continuarem a serem tenazes, perspicazes e resilientes.